quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Alberto da Veiga Guignard


o lírico da pintura moderna


"...Minha profissão como artista requereu muito exercício,
boa vontade e principalmente uma grande tenacidade.
Sem isto nada se faz".



A obra de Guignard se destaca por seu forte conteúdo lírico. "Ele não fazia parte de grupos, não era um teórico da pintura, não usava seu trabalho como panfletagem política. Pintava o mundo ao seu redor, cheio de euforia e sempre transfigurando-o", diz o crítico Frederico Morais. Isso fica claro quando se observam os temas mais freqüentes de sua obra. As paisagens de Minas Gerais, cheias de colinas, nuvens e igrejinhas, evocam uma atmosfera de sonho. Seus vasos de flores são fulgurantes e coloridos. Seus retratos sempre trazem o modelo em primeiro plano e o fundo preenchido com alguma paisagem imaginária ou objetos delicados. Os traços sinuosos e ondulantes garantem a poesia.
Chega a ser curioso que Guignard tenha produzido uma obra tão vibrante, tais foram as tragédias que enfrentou. Nasceu com o lábio leporino (uma abertura entre a boca, o nariz e o palato) e conviveu com a deformidade por toda a vida. Seu pai se suicidou quando ele era criança. A mãe, que tinha algumas posses, casou-se com um barão alemão falido e levou Guignard e a irmã para a Europa. Lá, ele cresceu e estudou pintura. Ainda jovem, perdeu a mãe e a irmã. O padrasto, que não gostava dele, torrou a herança. Por fim, Guignard casou-se com uma estudante russa de música, Anna Doring. Felicidade, afinal? Nada disso. Ela o abandonou na lua-de-mel por motivos que Guignard não revelava. Nunca se recuperou do trauma e viveu o resto da vida alimentando amores platônicos.
Guignard, o mais empático e lírico pintor modernista brasileiro, nasceu em Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1896 e faleceu em Belo Horizonte, em 1962. Sobressaiu-se como paisagista mas criou também magníficas naturezas-mortas e importantes retratos. Foi um artista completo pois atuou em todos os gêneros da pintura - de naturezas-mortas, paisagens, retratos até pinturas com temática religiosa e política, além de temas alegóricos. Foi, portanto, um dos mestres da pintura brasileira na primeira metade do século XX. Ainda que o paisagismo de sua pintura esteja imbuído de um encantamento e de uma afetividade intensos, Guignard permanece irredutível a todo apelo nacionalista ou a qualquer outro iedário. Suas cores pousam sobre a tela com a leveza de aquarela, a aparente ingenuidade das composições faz ainda mais enignmáticas e complexas a serenidade, a íntima ternura e a sabedoria da visão de Guignard.
Neto de um cabeleireiro da corte de D.Pedro II, em Petrópolis, Alberto Guignard, ficou órfão de pai ainda menino. A mãe, inconformada com a perda do marido, casa-se em seguida com um barão alemão arruinado, bem mais jovem que ela, com quem se muda para a Alemanha, levando junto Guignard. Sua formação foi alicerçada em bases européias pois lá viveu dos 11 anos aos 33. Lá freqüentaria as Academias de Belas Artes de Munique e Florença.
Em Munique, Guignard dedicou-se sobretudo ao desenho, técnica que exercitou exaustivamente. De volta ao Brasil nos anos 20, tornou-se um nome representativo dessa década e da seguinte, juntamente com Cândido Portinari, Ismael Nery e Cícero Dias. Alguns críticos atribuem à vivência internacional de Guignard as influências do fauvismo matissiano, da vitalidade cromática de Raoul Dufy, do laconismo formal de Paul Cezanne e da fleuma naïf de Henri Rousseau. Se foi ou não influenciado, Guinard também influenciou pois ainda jovem orientou um grupo - uma espécie de atelier coletivo - do qual participavam Iberê Camargo, Vera Mindlin e Alcides da Rocha Miranda. Nessa época, a convite do então prefeito de Belo Horizonte, Jucelino Kubitschek, que estava pretendendo criar um pólo cultural em Belo Horizonte, deixa o grupo e muda-se para aquela cidade onde instala um curso de desenho-pintura no recém-criado Instituto de Belas Artes. Guignard gostou tanto do que viu em Minas que meses depois da primeira visita mudou-se de vez para a cidade. Tornou-se um apaixonado pela paisagem e gente de Minas Gerais. Extrovertido e triste,sempre oscilou entre a rigidez e a riqueza da emoção. Com belos resultados que o fizeram, ao mesmo tempo clássico e lírico e com muitos escorregões, principalmente no fim da vida, quando pintava em desordem pouco inspirada. Os que o conheceram lembram sua espontaneidade e ternuras infantis, às quais se misturava uma grande tristeza. "Pintar, para ele, era viver". Até a sua morte, Guignard expõe inúmeras vezes no Brasil, ressaltando-se as restrospectivas que lhe foram dedicadas em1953, pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e pelo Museu Lasar Segall, em 1992. O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, sob a curadoria do marchand Jean Boghici, amigo pessoal de Guignard, realizou em abril de 2000, uma restrospectiva com ares de megaesposição internacional. A exposição ocupou 2 mil metros quadrados de uma das galerias do Museu e deve ter sido uma resposta às críticas de que o MNBA tivese virado palco de mostras blockbusters, certamente em função das exposições de Rodin, Monet e Dalí (realizadas entre 1995 a 98). O artista plástico

Antonio Dias, em entrevista ao JORNAL DO BRASIL havia ironizado o calendário do museu, afirmando que "depois das mostras Dalís, é a vez das mostras daquis".

Algumas obras de Guignard:


Nankin, 1930



Sabará

Ouro Preto











1935

071933


Referências bibliográficas:
Revista VEJA 07/07/1982

JORNAL DO BRASIL, 02/04/2000
VEJA DE 05/04/2000

Revista PROGRAMA do JB, de
/04 a 13/04/2000.

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Tarsila do Amaral

Tarsila ,
a Dama Antropofágica
(1886-1973) a grande canibal





Nascida em Capivari, em 1886, e criada numa fazenda de Jundiaí, filha de família de fazendeiros paulistas, Tarsila cresceu "livre como uma cabrita". Realiza seus estudos no Colégio Sacre Coeur, em Barcelona, de onde retorna aos 20 anos de idade. Seu primeiro contato com a pintura dá-se no atelier de Pedro Alexandrino em 1917, onde conhece Anita Malfatti.
retrato de Tarsila feito por Anita

Em seguida estuda com um alemão imigrado e em 1920 volta para a Europa, inscrevendo-se na Académie Julian e expõe pela primeira vez em 1922, no Salon des Artistes Françaises . Retorna ao Brasil após a Semana de 22 mas a tempo de engajar-se aos artistas que a promovem, através do Grupo dos Cinco (Tarsila, Anita Malfatti, Mário e Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, que os descreveu como "um grupo de doidos em disparada por toda a parte no Cadillac de Oswald"). Mesmo não tendo participado da Semana de 22 ela é considerada o emblema feminino do modernismo no País, criadora que foi das telas que marcaram a poética pau-brasil, trazendo as cores caipiras e as formas chapadas do imaginário à pintura. Paulo Herkenhoff, curador-geral da Bienal de São Paulo, edição 1999, onde Tarsila teve lugar de honra, diz que ela representou o ápice da antropofagia: a deglutição de modelos importados da Europa e a sua superação pelo exotismo, pela temática e pela projeção da cor local.Foi a grande pintora das artes plásticas da Semana de 22.
















Auto-retrato ou Manteau Rouge - Em Paris, Tarsila foi a um jantar em homenagem a Santos Dumont com esta maravilhosa capa (Manteau Rouge, em francês, significa casaco, manto vermelho). Além de linda, usava roupas muito elegantes e exóticas, e sua presença era marcante em todos os lugares que freqüentava. Depois desse jantar, pintou este maravilhoso auto-retrato.



O ano de 1923 foi decisivo em sua carreira, uma vez que, em Paris, estudou com Lhote, Gleizes e freqüentaria o atelier de Léger. Data daí sua absorção das lições de estruturação do quadro cubista,

quadro com essa tendência: a disciplina, a síntese dos elementos e a valorização da cor à maneira de Léger.


Em 1923 já se percebe a noção que os brasileiros têm sobre a imagética brasileira e isto estava claro em seus quadros de então. Coube a ela a fusão inventiva e singular da nova informação estética, com a absorção das lições do cubismo, com a magia da "atmosfera" brasileira, presente em seu trabalho em seu período máximo (1924/1930). Uma pintura de florescências e deformações oníricas, construída com formas reminiscentes do mundo rural, algumas vezes vagamente etnográficas e, segundo Sergio Millet, com uma paleta de tonalidades "caipiras". Veja o quadro Os Operários e Mamoeiro pintado em 1925,

As fases mais criativas de Tarsila foram a "pau-brasil" e a "antropofágica" nas quais ela desenvolveu uma linguagem artística própria e produziu suas obras mais importantes. A fase "pau-brasil" nasceu do contato de Tarsila com o universo da tradição popular brasileira e de sua própria coletânea de memórias da infância, passando a tecer uma poética plástica, que une o aprendizado da síntese dos traçados cubistas a um olhar deslumbrado com a geografia e as cores de nossa própria paisagem. Esta atitude artística foi apelidade de pau-brasil, nome emprestado do conjunto homônimo de poemas escritos por Oswald, com quem Tarsila se casaria mais tarde.
(Estudo para Antropofagia, nanquim sobre papel, cuja versão final está aí abaixo.)




Inaugurou sua fase antropofágica e o movimento antropofágico no Brasil - o grande objeto de comoção nacionalista - quando pintou o famoso Abaporu em 1928, rompendo com a tradição da pintura acadêmica e com o estereótipo de "dama da elite cafeeira". Obra que desmonta a anatomia de um corpo humano em perfil, ladeado por um cactus e um sol sintético. Oswald apelidou a tela e o movimento antropofágico, cujo batismo foi inspirado pela própria obra. Esta tela foi arrematada pelo colecionador argentino Eduardo Constantini por US$ 1 milhão e 300 e encontra-se exposta no MALBA - Museu de Arte Latino Americana de Buenos Aires.
Antropofagia torna-se a palavra de ordem para um novo caminho da arte brasileira, que deveria engolir certas inspirações estrangeiras para digerí-las de acordo com realidades e necessidades nacionais. Para Tarsila, a fase antropofágica marca uma expansão de pesquisas e um florescimento visual. Urutu , também de 1928, é outro importante símbolo da arte brasieira: é ela quem estampa a capa do catálogo Latin American Artists of the Twentieth Century , exposição histórica, concebida pelo MoMA Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1993, que viajou o mundo com o projeto sintético de varrer visualmente a história da arte latino-americana.

Abaporu

Após as fases "pau-brasil" e "antropofágica" Tarcila orienta sua pintura para um cunho social, chegando a expor, em 1931, no Museu de Arte Ocidental de Moscou, que lhe adquire o quadro O Pescador. O lugar de destaque ocupado pela artista no cenário das artes plásticas nacionais é surpreendente, se levarmos em conta que para ela, nos primeiros anos, a pintura era algo muito próximo de um capricho de moça rica, educada à francesa.. Seu primeiro período passado em Paris (entre 1920 e 1922) parece uma extensão desse "tipo" de compromisso de Tarsila com a arte que parece ter se modificado apenas quando retornou ao Brasil, quando conheceu o grupo modernista. Oswald de Andrade teve papel fundamental nesse período de Tarsila.

O pescador

Urutu

Sol Poente



Fonte bibliográfica: Rosa Gabriela de Castro ,texto publicado na Revista CULT/fev/1999.
Segundo Caderno ZH dia 05/01/1999 e Correio do Povo de 28/04/03.
Revista REPÚBLICA set/1997.

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